Bloomberg Línea — O setor avícola brasileiro passa por um teste de fogo desde a confirmação, na sexta-feira passada (16), de um foco de gripe aviária em uma granja comercial em Montenegro, no Rio Grande do Sul.
Autoridades brasileiras, empresas e produtores têm trabalhado nos últimos dias em medidas de contenção para deter o surgimento de novos focos no país, em um esforço para minimizar os prejuízos e evitar que impactos mais críticos se espalhem pelo mercado.
O Brasil lidera as exportações globais de carne de frango, e 35% da produção nacional é voltada para o mercado externo, segundo dados da Associação Brasileira de Proteína Animal (ABPA). O país é responsável por 38% das exportações mundiais, seguido dos Estados Unidos (24%), da União Europeia (13%) e da Tailândia (8%). Em produção de ovos, o Brasil está na quinta posição.
Analistas e especialistas que falaram à Bloomberg Línea ainda buscam quantificar o impacto da doença sobre o mercado. O efeito sobre os preços até agora parece que será limitado, segundo eles, mas há desafios logísticos para realocar a produção e recompor os estoques de aves.
Para Wagner Yanaguizawa, analista do Rabobank, pode haver um pequeno impacto na oferta doméstica de carne de frango dentro de 40 a 45 dias, prazo equivalente ao ciclo de abate das aves. Isso porque produtores da região afetada precisarão de mais tempo para repor os lotes.
Leia também: Gripe aviária: país investiga focos suspeitos em Santa Catarina e Tocantins
Além disso, a expectativa é que haja um redirecionamento de volumes que seriam exportados ao mercado interno ou para outros mercados onde não aconteceu a suspensão, o que pode causar uma sobreoferta pontual, especialmente de cortes pouco consumidos no Brasil, como pés de frango e o galeto, mais demandados por China e Europa.
Nos Estados Unidos, onde a gripe aviária ainda é um problema, a doença já causou escassez de ovos e preços recordes para os consumidores. Em março, o preço médio da dúzia no país chegou ao patamar recorde de US$ 6,227, mas com a redução dos casos, caiu para US$ 5,12 neste mês.
Segundo relatório do Itaú BBA, divulgado nesta semana, diante de um cenário de um embargo um pouco mais prolongado, “apesar das menores vendas e outros prejuízos, o setor poderia reduzir a produção relativamente rápido e ajustar as margens”.
Outra expectativa até o momento, segundo Yanaguizawa, é que haja dificuldades logísticas no curto prazo para encontrar outros mercados, como o Oriente Médio, ou formas de absorver essa produção no país.
Yanaguizawa explica que as perdas poderão acontecer em relação aos custos de logística e armazenagem, mas que não devem comprometer o desempenho geral do setor.
O Brasil, possui uma ampla base de clientes e pode redirecionar parte das vendas para mercados que aceitam o princípio da regionalização, diz Yanaguizawa.
No caso da China, maior importador de pés de frango, a reação à suspensão dos embarques tem sido limitada até agora.
“Os preços da carne de frango vêm caindo nas últimas semanas. No fim de semana, os preços no varejo se mantiveram estáveis, sem apresentar uma tendência de alta significativa. O mercado parece estar bastante calmo com as notícias. Isso se deve ao fato de que a proibição semelhante em 2024, pela Doença de Newcastle, não impactou muito o comércio”, disse o analista.
Suspensão das compras
Ao todo, 20 países e blocos econômicos suspenderam totalmente a importação do frango brasileiro. Entre eles, estão a União Europeia (UE) e a China, dois dos principais compradores do país, segundo a atualização do Ministério da Agricultura de 22 de maio.
As proibições fecharam mercados responsáveis por mais de US$ 4 bilhões por ano em receitas de exportação, ou 40% do total, de acordo com dados do governo compilados pela Bloomberg News.
Leia também: EUA suspendem importação de frangos do Brasil após caso de gripe aviária em granja
O Japão e os Emirados Árabes Unidos, por sua vez, suspenderam as importações apenas do município de Montenegro (RS), algo que o ministério tenta negociar com os demais países para restringir a área das as suspensões.
Outros 14 países, incluindo Arábia Saudita, Reino Unido e Rússia, suspenderam as compras de produtos com origem em todo o estado do Rio Grande do Sul.
Até o momento, um foco da doença foi confirmado em uma granja comercial de matrizes em Montenegro (RS), na região metropolitana de Porto Alegre.
Segundo o Ministério da Agricultura, até o dia 22 de maio, havia 11 investigações em andamento sobre casos no país, de acordo com um painel do governo com dados atualizados em tempo real.
Dos casos suspeitos, três são no Rio Grande do Sul e quatro em Santa Catarina. Há também um no Mato Grosso do Sul, um no Ceará, um em Tocantins e um no Pará.
Sistema de prevenção
O presidente da Associação Brasileira de Proteína Animal (ABPA), Ricardo Santin, destacou em entrevista à Bloomberg Línea a resposta rápida das autoridades brasileiras e a robustez do sistema de prevenção.
Ele lembra que o Plano Nacional de Sanidade Avícola tem mais de 20 anos e que, nos últimos cinco anos, o Brasil trabalhou com países parceiros para adotar o princípio da regionalização sanitária, que limita restrições às áreas afetadas, em vez de suspender embarques de todo o país.
“A resposta [do Brasil] foi imediata, com atuação conjunta do Ministério da Agricultura, governo estadual e setor privado. Isso mostra ao mundo que o Brasil está preparado”, afirma Santin.

O executivo também compara a situação brasileira com a de outros países e cita o caso da Polônia, maior produtora de aves da Europa, que teve 1.161 focos apenas entre janeiro e abril deste ano.
“A gripe aviária é uma realidade global e precisamos aprender a conviver com isso”, disse Santin.
A transmissão da doença entre aves para humanos é rara segundo cartilha do Ministério da Agricultura de 2023, “e geralmente ocorre quando há contato próximo com aves infectadas”.
A partir desta quinta-feira (22), se não houver novos casos em granjas comerciais, o Brasil poderá se autodeclarar livre da gripe aviária dentro de 28 dias, o que permitiria retomar os fluxos de exportação.
Enquanto isso, os efeitos sobre outras cadeias de proteína animal, como a bovina, têm sido limitados.
O contrato futuro do boi gordo para outubro de 2025, que chegou a cair 1,5% na sexta-feira após a confirmação do foco, já se recuperou no dia seguinte com alta de 2,3%, indicando otimismo moderado do mercado. No mês, o indicador do boi caiu 4,77%, segundo o Cepea.
No caso do frango congelado, o preço oscilou perto da estabilidade. No mês, a queda foi de 0,23%.
Os próximos dias serão decisivos à medida que saírem os resultados laboratoriais de outras suspeitas em estados como Tocantins e Santa Catarina.
“O esforço sanitário é para proteger os plantéis e garantir a continuidade da produção. Segurança alimentar é o que está em jogo”, disse o presidente da ABPA.
- Com informações da Bloomberg News.
Leia também
BNDESPar reduz participação na JBS às vésperas de assembleia sobre listagem em NY
Marcos Molina: o self-made man por trás da nova gigante mundial de alimentos